sexta-feira, junho 27, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
O significado de uma palavra não deve ser uma coisa para mim, e outra para você. Se assim for, a palavra deixará de nos ser útil, pois não servirá para comunicar um conceito. Quando enuncio a palavra "amor", por exemplo, espero despertar em você o mesmo sentimento de afeição, ternura e profunda ligação para com o objeto amado que sinto em mim ao ouvi-la. Bem sei que a relação semântica entre um símbolo (a palavra) e seu significado (aquilo que a palavra quer dizer) costuma ser afetada pelo contexto de uso. Por isso, nestas divagações pueris sobre o amor, procuro me restringir ao contexto religioso cristão, tão comum a mim e a tantos outros.

Uma das primeiras definições de amor de que me lembro é derivada das páginas da Bíblia. Uma frase curta, forte e de fácil assimilação: "Deus é amor" (I João 4:8). Nunca mais a esqueci. Essa afirmação, embora sucinta na forma, se agiganta em mistérios. Mistérios que hoje despertam em mim mais dúvidas que certezas. Pra começar, de que deus estamos falando? A Bíblia cita vários, dentre os quais Astarote, Renfã, Dagom, Adrameleque, Nibaz, Asima, Nergal, Tartaque, Milcom, Renfã, Marduque, Baal. Qual desses devo tomar como expressão máxima do amor? Nenhum, é o que responde minha essência cristã. Esses aí são deuses falsos, extintos, que não resistiram à ação corrosiva do tempo. Deus bom é deus vivo. A Bíblia é clara ao identificar o Deus verdadeiro (com "D" maiúsculo) como o Deus vencedor, vivo e eterno. Esse Deus é aquele que abençoava Israel no passado e que hoje acompanha, protege e guia seus novos filhos, os cristãos. Assumindo essa premissa como verdadeira, a próxima pergunta é: o que posso entender sobre o amor ao estudar os atos desse Deus na história humana?

Folheando as páginas da Bíblia, não é difícil constatar que o amor divino está associado a alguma forma de sacrifício, o maior dos quais se observa na vida de Jesus. De fato, a mensagem central do Novo Testamento é que Jesus morreu pelos nossos pecados. Que incrível! O homem pecou e deveria morrer, mas Jesus assumiu o nosso lugar. Sacrificou-se. Isso é amor. Por outro lado, posso fazer uma leitura diferente dessa mesma história e concluir que Deus exigiu um sacrifício e que só depois de um inocente ter sido humilhado, torturado e morto de forma cruel é que Ele se permitiu demonstrar-nos amor na forma de perdão. Em outras palavras, Deus manifestou seu amor ao exigir e concordar com o sacrifíco de seu próprio filho. Devo confessar que jamais interpretaria esse ato como expressão de amor se não o tivesse lido na Bíblia! Que estranha forma de amar! Deus deve ser o único pai que submeteu o filho à morte e é venerado por isso. Qualquer outro seria tratado como psicopata. Em vista disso, faço-me a seguinte pergunta: Devo amar os outros da mesma forma como Deus amou a seu filho? Devo, em alguma situação especial e por amor a outros, sacrificar aqueles que são do meu lar, do meu sangue, da minha essência?

E por que Deus teve que nos amar sacrificando o seu único filho? Por que Jesus teve que morrer? A Bíblia responde: porque o primeiro homem, uma criação divina chamada Adão, pecou, isto é, desobedeceu a Deus ao provar de um fruto. De que fruto estamos falando? Do fruto do conhecimento do bem e do mal. Vamos relembrar esse episódio.

Antes de comer desse fruto, Adão vivia num paraíso, em inocente felicidade. Penso não estar agredindo o texto bíblico ao afirmar que Adão era um ignorante (por "ignorante" não o estou caracterizando com grosseiro ou mal-educado, e sim como uma pessoa pura, sem malícia, inocente, inexperiente, que desconhecia a existência de algo, que não estava a par de algumas coisas). Certo dia, Deus resolveu testá-lo. Dou-me aqui a liberdade de imaginar uma conversa entre Deus e o primeiro homem:

"Adão", disse Deus, "não queira saber o que é certo ou errado, apenas obedeça. Eu bem sei que você ainda não sabe o que é certo ou errado e, portanto, ainda não sabe que é certo me obedecer. Mas o que está em jogo aqui não é o saber, e sim o obedecer. Portanto eu lhe ordeno: não experimente o fruto do conhecimento. Ah, e antes que eu me esqueça, a árvore que produz esse fruto é aquela que se encontra bem no centro deste jardim. Fui claro?"

E Adão lhe responde: "Sim, o Senhor foi bastante claro. Ensinou-me algo sobre esse fruto. Já não me sinto tão ignorante. Sei pra quê esse fruto serve. Sei que ele é diferente dos demais. Também conheço o local exato em que posso encontrá-lo. Agradeço-lhe por essas informações preciosas". Após essa diálogo, Adão não hesitou em buscar mais: comeu e conheceu. Comeu e pecou. Inconformado com a desobediência do homem, Deus o expulsou do paraíso e hoje estamos aqui, amargando as conseqüências do pecado de Adão. Por razões que desconheço, a única solução para o pecado de Adão seria a morte vicária de um ser puro, o próprio filho de Deus, Jesus. Apenas o amor de Deus não seria suficiente para nos perdoar. Alguém teria que ser sacrificado.

Ao relembrar essa história, sinto-me induzido a crer que todo o mal existente em nosso mundo nasceu da desobediência e, portanto, a submissão pode ser a resposta. Se assim for, alguns religiosos devem estar certos ao insistirem tanto na obediência cega e resistirem com teimosia aos avanços do saber científico. É que, para esses religiosos, o homem foi criado para a obediência, e não para o conhecimento. Ele deve obedecer a Deus prontamente e, na ausência dEle, ao clero que o representa. Mas é preciso cuidado: não se deve obedecer a qualquer clero, e sim ao clero verdadeiro.

De volta ao tema "amor" – amor que ainda entendo como sentimento de afeição, de bem querer, de ternura, de zelo e cuidado por aquele a quem se ama – me pego a questionar o amor daquele que é puro amor. Seria um sacrilégio da minha parte? Talvez... E aqui confesso que, assim como uma mariposa é seduzida pelo brilho da luz, sinto-me atraído pelo magnetismo irresistível que emana do fruto do conhecimento. Herdei essa atração mórbida de meu pai Adão e, à semelhança dele, vivo comendo, ou melhor, cometendo o mesmo pecado.

Pra minha sorte, Deus é amor e planejou um meio de me resgatar. A fórmula é simples: preciso aprender a amar de verdade. E em matéria de amor, não há exemplo melhor que o próprio Deus. Portanto, devo amar como Deus amou a seu filho, sacrificando-lhe a vida em prol de criaturas ínfimas esculpidas em barro... Devo amar da mesma forma como Deus ama aqueles a quem condenará ao sofrimento eterno por não acreditarem ou não aceitarem o seu amor.... Devo amar da forma como Deus diz que me ama e me protege, mesmo sabendo que ele não poupou do sofrimento e morte o seu próprio filho... Confesso estar confuso diante desses exemplos incomuns de amor divino.

Essa confusão, contudo, tende a se dissipar se eu reconhecer minhas limitações acerca do caráter e amor do Criador. Sou finito. Limitado. Minha mente é pequena demais para entender os misteriosos atos de Deus. O que a mim parece loucura, na verdade, é a maior prova de amor já demonstrada neste Universo. Minha reação confusa depõe contra mim mesmo ao expor minha ignorância e estupidez.

A Biblia deve estar certa. Deus é amor e eu sou um tolo. Reconheço e assumo aqui a minha ignorância. Também preciso reconhecer que, à semelhança de meu pai Adão, provei do fruto proibido e fugi de Deus. Estou escondido. Não me movo. Temo ser descoberto. Adão fugiu por se sentir nu e eu por estar amedrontado com o assombroso jeito divino de amar. Prefiro o amor mais simples, mais comum, mais humano. Amor de pai, de mãe, de irmãos, de amigos... Companheirismo, atenção, proteção, amparo... Ver, ouvir, falar, sentir, tocar... sem medo...

E assim, assutado, permaneço escondido, como se fosse Adão, atrás de uma figueira...



terça-feira, junho 17, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
Acabei de ler a poesia inquietante "Eu Acreditava em Papai Noel" publicada no blog "Convictos ou Alienados". Penso que tenha captado a intenção do autor e entendido a mensagem que ele se propôs a passar. Mesmo assim, resolvi me fazer de néscio e sair em defesa do Bom Velhinho. Por isso afirmo em alto e bom tom: Eu acredito em Papai Noel!

Acredito, sim! É verdade, não nego. Acho até que, de certo modo, ele é mais real que eu. Quantas pessoas me conhecem? Quantas sabem que eu existo? Mas a despeito da ignorância de muitos, eu existo, sim. Isto é, penso que existo – Penso, logo existo!

E se eu – esse tão desconhecido – existo, o que dizer do popular Papai Noel? Todos sabem até mesmo onde ele mora: num lugar encantado, mágico, lá no longínquo Pólo Norte. Nunca estive lá e não o conheço pessoalmente, mas desconfio que seria capaz de reconhecê-lo, se os destinos nos fizessem cruzar o mesmo caminho.

Uma das coisas que mais aprecio no Papai Noel é que ele nunca muda. Hoje vivemos num mundo tão descartável! Tudo muda o tempo todo! Mas com o Papai Noel é diferente. Ele é o mesmo ontem, hoje e amanhã. Desde que o conheci, nada mudou: o mesmo uniforme vermelho, a mesma barba branca, a mesma barriga saliente, a mesma risada inconfundível – hou,hou,hou!

Daqui a uns cem anos eu certamente não estarei mais aqui. A vida é curta, efêmera, fugaz. Tentando ser poético, eu diria: "quando penso que sou, fui". Mas imagino que nos próximos cem anos (quem viver, verá) o Bom Velhinho ainda estará por aqui, vivo e imutável no imaginário infantil, presente e atuante nas propagandas e festividades natalinas.

Diante de tantas evidências, não consigo entender por que alguns céticos teimam em duvidar da existência do Papai Noel!

Mas, sendo honesto, devo confessar que algo mudou em mim. O encanto se foi. A magia se perdeu. Que pena... É como se tivesse sido despertado de um sonho encantado, um sonho do qual sinto saudades. O que aconteceu? A responsta é simples: Deixei de ser menino. Virei adulto. Tenho muitas contas pra pagar e pouco tempo pra sonhar. Conseqüentemente, o Papai Noel foi ficando cada vez mais distante...

Constatei, por fim e para meu desencanto, que o Papai Noel existe numa dimensão diferente desta em que vivo, estudo, trabalho, sofro e sonho. Lá, nessa dimensão distante e especial, ele é muito poderoso: conhece todas as crianças do mundo; é capaz de responder às orações, ou melhor, às cartinhas daquelas que nele acreditam; é veloz o bastante para circundar o planeta nas noites de Natal, distribuindo presentes, e por aí vai. Que velhinho poderoso e cativante! Adoro o Papai Noel. Bom seria se ele pudesse se mudar desse plano literário-folclórico em que existe e viesse para a dimensão material-humana na qual estou.

Seria possível essa mudança de dimensão?

Acho difícil. Talvez impossível. Mas nem por isso ouso negar a existência do Papai Noel. Sei que ele está lá, em algum lugar, nas historinhas infantis, no folclore natalino, nas lembranças empoeiradas que preservo de minha infância distante e feliz, no coração de milhares de crianças que continuam a escrever-lhe cartinhas impregnadas de amor e esperança...

Eu ainda acredito em Papai Noel!

domingo, junho 15, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
A vida tem que fazer sentido. Não posso ser produto do acaso. Meu cérebro – tão complexo e poderoso – não pode ter sido elaborado por combinações aleatórias ao longo de milhões de anos. Definitivamente, não! Tem que existir um artífice que agiu, movido por um belo propósito. Logo, a descoberta desse propósito e o entendimento, ainda que parcial, das intenções desse ser criador pode e deve dar sentido à minha vida. Então, devo buscar por esse criador. Ele existe sim e, em sendo inteligente, deve ser também inteligível. Talvez até me tenha criado exatamente para isso: para procurá-lo, encontrá-lo e, quiçá, estabelecer com ele uma relação familiar na qual lhe serei como filho e ele me será como pai... Não sei por que esse suposto ser criador desejaria estabelecer comigo tal relação, mas não quero e nem posso pensar nisso agora. Tenho outra questão mais importante e já priorizada a ser tratada: encontrar-me com ele o quanto antes e conhecê-lo bem. Não reside nessa busca e nesse encontro o sentido de minha existência?

Claro que sim, responderá prontamente a mente religiosa. A religião, nas palavras de Rubem Alves, "é o esforço para se pensar a realidade a partir exigência de que a vida faça sentido". Exigência? Sim. A religião exige, reivindica como direito, determina, impõe, preceitua e prescreve: "A vida tem sentido! A vida tem sentido! Não estamos aqui por acaso e sem missão. Somos todos importantes!" E a percepção dessa importância nos tranqüiliza...

Contudo, não posso olvidar que a fé religiosa, por mais forte que seja ou pareça, não tem o poder de legislar sobre a realidade. Por conseguinte, é sensato supor que, fora da limitada e confortável atmosfera criada por ela, pode existir um Universo sem coração, indiferente ao drama humano, insensível às nossas dores, que não conspira contra ou a favor da nossa espécie, que não ouve nossas preces e que não veio a existir movido por propósitos e intenções definidos. Talvez não exista um Criador a ser buscado. Talvez até exista, mas não seja condizente com a imagem paternal e bondosa que dele temos. Talvez exista e até seja paternal e bondoso, mas não onipotente e onisciente... Talvez se assemelhe àquele cientista bem intencionado e dedicado, chafurdado em pesquisas, escondido num laboratório, lançando mão de cobaias e conduzindo experimentos que, talvez no futuro, possam trazer-lhe alguma realização ou benefício...

Mas a mim, tal perspectiva se mostra, por demais, desagradável. Não quero aceitá-la. Não vou aceitá-la, porque, com ela, o meu Ego não se identifica. Meu Ego se sente melhor e mais confortável dentro do cenário colorido e planejado, concebido pela visão religiosa cristã. Meu Ego não quer e não aceita ser aniquilado. Exige a existência de algo mais – um outro Universo, um outro mundo, uma outra vida, o mesmo Ego. Meu Ego precisa de um Deus poderoso o bastante para dar-lhe vida e realizar-lhe o desejo de ser eterno e divino. Por conta disso – desse meu insistente egoísmo – ainda não renunciei à velha busca religiosa pelo sentido da vida. Por isso insisto em lidar com o Universo e com a natureza da mesma forma pessoal com que lido com os seres humanos: com promessas, alianças, pedidos, negociações e algumas bajulações – sempre buscando identificar propósito inteligente por trás de cada acontecimento. E me pego fazendo perguntas infantis e tolas. E me vejo a indagar se as tempestades e tornados, os terremotos e maremotos, as doenças e pestes, os nascimentos e mortes fazem parte de algum plano cósmico. E tento encontrar nesse quebra-cabeça confuso um lugarzinho seguro onde o meu Ego possa, enfim, existir em paz, para sempre...

Seria bem mais simples se eu tão somente abrisse mão desse meu egoísmo... Poderia, como recomenda os orientais, despojar-me de minha identidade, relaxar e me deixar perder como uma gota no imenso oceano da existência...

Resisto firmemente a essa sugestão. Sou egoisticamente apegado à busca religiosa, o que me leva a perguntar se meu grande inimigo é esse tal Diabo, a quem nunca vi, ou se é esse Ego teimoso, o qual nunca deixei de ver...
segunda-feira, junho 09, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
Fé, palavrinha corriqueira de efeito raro; pequena na forma, grande na pretensão - monossílabo que move montanhas! Não sei o que é fé; sei o que são montanhas.

Montanhas, conheço-as bem. Meus pais moraram na Serra da Mantiqueira, no sul de Minas. Saudades... Hoje, vou com freqüência ao litoral, transpondo a majestosa Serra do Mar. Nesta serra, a engenharia humana escavou extensos e formidáveis túneis, mas as montanhas ainda estão lá – firmes, imponentes, impassíveis.

Não sei o que é fé. Sei, sim, o que são montanhas.

Já tive a oportunidade de conviver com pessoas detentoras de fé. Diferentemente de mim, tais pessoas pareciam possuir a capacidade de ver o invisível e tocar o intangível. Pus-me, então, a observá-las, na esperança se ser agraciado com fé semelhante.

O tempo passou... Não sei se observei o bastante. É possível que, além de me faltar fé, faltou-me também paciência...

O que pude constatar é que essas pessoas, que me pareciam ter fé, diziam confiar em Deus, na esperança de que tudo desse certo. Porém, ficavam "vigiando" como se nEle não confiassem.

Seria isso fé? Não sei. Estou confuso.

Alguns dicionários definem fé como "confiança absoluta em alguém ou em algo". Essa confiança absoluta, devo confessar, não enxerguei naqueles que, por algum tempo, observei.

Mas não descarto a possibilidade do problema residir em mim, e não neles. Sofro de miopia física e uso lentes corretivas. Talvez também sofra de igual enfermidade no campo espiritual...

Enfim, não sei o que é fé... Talvez também não saiba o que são montanhas...

Referências:

1. Imagem Inicial - Dedo de Deus, na Serra do Órgãos

quinta-feira, junho 05, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
Fernão de Magalhães foi um navegador português que, a serviço do rei da Espanha, iniciou em 1519 aquela que seria conhecida como a primeira viagem de circum-navegação. Passou pela baía de Guanabara, foz do Rio da Prata, contornou a América do Sul através do estreito que recebeu o seu nome (Estreito de Magalhães) e alcançou, por fim, as águas do oceano Pacífico. Aliás, ele é conhecido, oficialmente, como o primeiro europeu a navegar pelo oceano Pacífico. É de se admirar a ousadia desse navegador que, à bordo de uma frágil caravela, ousou ir tão longe.

Menos conhecido é ele por ter empreendido, com êxito, outra viagem, igualmente fantástica, pelas águas proibidas do mar do saber, da observação, do empirismo, que o colocava em rota de colisão com as forças eclesiásticas dominantes na época. Sobre sua crença na esfericidade da Terra, ouçamos o que ele disse:

"A Igreja diz que a Terra é plana, mas sei que ela é redonda, porque vi a sombra dela na Lua, e acredito mais numa sombra do que na igreja".
terça-feira, junho 03, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
Por muito tempo acreditei que Cabral havia descoberto o Brasil. Ainda me lembro das aulas de História, das gravuras estampando o momento da chegada dos intrépidos portugueses, com suas vestes extravagantes que contrastavam com a nudez escancarada dos nativos tupiniquins. Cabral me parecia um ser especial, talvez um herói que, com poderes quase divinos, teria pronunciado a frase mágica: "Haja Brasil" e, do nada, o Brasil passou a existir.

Exageros à parte, constato hoje o quão ingênuo fui – não passava de um tupiniquim do século XX que, embora mantendo o corpo coberto, conservava a cabeça desnuda e acolhedora, pronta para receber e internalizar o que me fosse apresentado por um marujo qualquer, que se dissesse conhecedor dos mistérios e segredos ocultos no grande mar da ignorância humana.

Embora não seja um especialista em História (e talvez por isso), sinto-me à vontade para questionar o que de fato teria acontecido uns 500 anos atrás, por ocasião do tal descobrimento. Oito anos antes de Cabral, em 1492, Colombo teria descoberto a América, da qual o Brasil faz parte. Logo em seguida, em 1494 e com a bênção da Igreja, Portugal e Espanha dividiram o "novo mundo" entre si ao assinarem o tratado de Tordesilhas. Pouco depois, o rei de Portugal, D. Manuel I, teria encarregado o cosmógrafo e geógrafo Duarte Pacheco Pereira a realizar uma viagem secreta com o objetivo de dar uma espiada nas terras situadas além da linha de demarcação de Tordesilhas. Em 1498, Duarte Pacheco Pereira teria aportado entre o Maranhão e o Pará. Não bastando essa investida inicial dos portugueses, em 26 de janeiro de 1500, o navegador espanhol Vincente Pinzon alcançou a costa do Brasil e tomou posse da terra em nome do rei da Espanha. Por fim, em 22 de abril de 1500, Cabral, em viagem à Índia com suas 17 embarcações, ancorou em solo brasileiro, tornando-se, oficialmente, o descobridor do Brasil. Que bela história! Oficial, certamente; verdadeira, nem tanto.

Até onde sei, não é possível mudar a História. O que se pode mudar, e de fato muda, é o grau de conhecimento que dela temos. Novas investigações costumam nos trazer novas informações. Essas novas informações, por sua vez, podem irradiar luz sobre as sombras do passado, tornando visíveis silhuetas esmaecidas, contornos pálidos, detalhes desbotados, cenários obscuros e verdades até então escondidas sob a grossa poeira do tempo e da ignorância.

Ao estudar e revisar a História, aprendemos que o conhecimento da verdade é construído gradualmente, como se fosse uma dança lenta: dois passos pra frente; um passo pra trás...

Sendo bem honesto, pouco me importa o nome do europeu que primeiro pisou em solo brasileiro. Em nada minha vida seria afetada caso se resolvesse reescrever a história do descobrimento, substituindo o nome de Cabral por outro qualquer, como Duarte Pacheco Pereira ou Vincente Pinzon. Mas tudo isso me faz pensar e me questionar sobre outras histórias que me contaram e que, embora oficiais, talvez não sejam mais verdadeiras que a história da descoberta do Brasil, atribuída a Cabral.


Referências:

1. Imagem - Cabral - http://www.elizabethan-era.org.uk/pedro-alvares-cabral.htm
segunda-feira, junho 02, 2008 | Autor: Ebenézer Teles Borges
Pois é... não quis ouvir a voz do corpo; acreditei em superação; dei uma de teimoso e paguei caro.

Quais eram esses sinais ?

1. O corpo ainda reclamava dos 25 km corridos uma semana antes;
2. A panturilha estava sensível;
3. Sentia fortes dores de cabeça, na véspera;
4. Não consegui dormir à noite;
5. Levantei-me de madrugada, cansado de rolar pela cama e ainda com a cabeça dolorida.

Dilema Shakespeareano (essa palavra existe?): "Correr ou não correr? ". Falou mais alto a teimosia. Resolvi correr.

Chovia... Fazia um frio terrível... O corpo pedia repouso; a cabeça exigia movimento. Entrei no carro e parti para o Ibirapuera.

Mais problemas:

1. Quase uma hora na fila aguardando o ônibus da organização que me levaria até o local da largada. Fiquei ensopado. Já não sentia os dedos dos pés e das mãos.
2. Cheguei à arena da largada faltando 10 minutos para início da corrida. Mal coloquei o pé na área reservada para os maratonista e ouvi um "bum". Foi dado o tiro de largada.
3. Não fiz aquecimento nem alongamento.

O congestionamento humano era imenso. Primeiro caminhei, depois, ao passar pelo tapete de largada, comecei a trotar, sempre atento à panturrilha. Nem percebi quanto atravessei a nova Ponte Estaiada. Estava mais preocupado com a barreira humana à minha frente e com a turma que iria correr apenas 5 e 10 km e que gritava "abram! abram!".

No km 3 a panturilha esquerda abriu o bico. Ainda faltavam 39 km. Correr ou não correr? Teimei em prosseguir correndo. Meus batimentos cardíacos estavam na casa dos 173 quando não deveriam passar dos 160. A noite mal dormida começava a cobrar o seu preço. O corpo precisava de descanso e não de uma desgastante maratona.

Km 1 ao 5 (em 0:27:13h) – Os batimentos cardíacos continuaram elevados. A dor na panturrilha aumentava. O desconforto crescia. A teimosia também. Continuei - sofrendo e correndo.

Km 5 ao 10 (em 0:26:33h) – As dores eram intensas. Não pensava mais na prova e sim em alguma estratégia para lidar com a dor. O ritmo já não era constante. Não queria desistir, mas não havia condições físicas para prosseguir. No km 11 senti uma forte fisgada na outra panturrilha. O bom senso recomendava uma parada imediata, mas foram necessários mais quatro quilômetros para que a cabeça cedesse aos apelos do corpo.

Km 10 ao 15 (em 0:26:26h) – Fiz o possível para continuar, mas não dava mais. Dei-me por vencido. Parei após apenas 15 km. Abaixei a cabeça, como se estivesse envergonhado de meu ato, e voltei, lentamente, caminhando do Villa Lobos até o Ibirapuera, sentindo muito frio. Às vezes garoava. Às vezes ventava. Acompanhava-me a dor da desistência que só não era maior que as dores nas panturrilhas.

Hoje, dois dias depois, ainda sinto dificuldades em caminhar. O jeito agora é parar por uns dois ou três meses e depois recomeçar, lentamente.

Que fiasco!



Referências:

1. Foto: Site Runner Brasil - http://www.runnerbrasil.com.br/
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